quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Século IX AEC - Asherah, a esposa de Yahveh




"Eu vos abençoo por Yahveh de Samaria e da [sua] Asherah"

Um fragmento de cerâmica (pertencente a um grande jarro) encontrado em Kuntillet Ajrud apresenta uma inscrição em hebraico "Eu vos abençoo por Yahveh de Samaria e da [sua] Asherah". Para além disso, apresenta três figuras antropomorficas e dois bovinos.
As figuras retratadas podem não estar relacionadas com a inscrição.

Kuntillet Ajrud é um local arqueológico do final do século IX AEC no nordeste da península do Sinai.

O local foi escavado em 1975/76 pela Universidade de Tel Aviv. O edifício principal, semelhante a uma fortaleza, é dividido em duas salas. Ambas as salas continham várias pinturas e inscrições nas paredes e em dois grandes jarros de água, um em cada sala. As pinturas nos jarros mostram vários animais, árvores estilizadas, e figuras humanas, algumas das quais podem representar deuses. Elas parecem ter sido feitas ao longo de um período bastante considerável e por vários diferentes artistas, e não formam cenas coerentes. A iconografia é inteiramente síria/fenícia e não tem conexão com os modelos egípcios comummente encontrados na arte palestina.

As inscrições são na sua maioria em hebraico antigo com algum fenício. Muitas são de natureza religiosa, invocando o Yahveh, El e Baal, e duas incluem as frases "Yahveh de Samaria e sua Asherah" e "Yahveh de Teman e sua Asherah". Há um consenso geral de que Yahveh está a ser invocado em relação a Samaria (capital do reino de Israel) e Teman (em Edom) - isso sugere que o Yahveh tinha um templo em Samaria, e levanta uma questão sobre a relação entre o Yahveh e Kaus, o deus nacional de Edom. "Asherah" seria também o nome de um objecto de culto, embora a relação deste objeto (a árvore estilizada talvez) para Yahveh e para a deusa Asherah, consorte de El, não é clara.

Asherah é, na mitologia semítica, uma deusa mãe canaanita da fertilidade, do amor e da guerra, que aparece em várias fontes acadianas escritas pelo nome de Ashratum/Ashratu e entre os hititas Asherdu, Ashertu, Aserdu ou Asertu. Aserá é geralmente considerada idêntica à deusa ugarita Athirat.

Asherah/Athirat é identificada como consorte do deus sumério Anu e do ugarítico El, as divindades mais antigas de seus respectivos panteões.
Com uma classificação elevada no panteão ugarítico, nos textos antes de 1200 AEC a Asherah é quase sempre dado o título completo de "Senhora Athirat do Mar" ou "Ela quem pisa o Mar".

Ela também é chamada Elat ("Deusa", a forma feminina de El; comparar com Allat). O outro epíteto divino era "A criadora dos deuses ( Elohim )". Nestes textos, Athirat é a consorte do deus El - há uma referência aos 70 filhos de Athirat, presumivelmente os mesmos 70 filhos de El. Ela está claramente distinguida de Ashtart nos documentos ugaríticos embora em fontes não-ugaríticas de períodos posteriores a distinção entre as duas deusas podem ficar desfocadas; seja como resultado de erro de escriba ou através possível sincretismo.

Entre o século X AEC e o início do seu exílio em 586 AEC, o politeísmo era normal em todo Israel; foi só depois do exílio que a adoração de Yahveh sozinho tornou-se estabelecida, e, possivelmente, só mais tarde, no tempo dos Macabeus (seculo II AEC), é que o monoteísmo se tornou universal entre os judeus.

É provável que Asherah, ao mesmo tempo, era adorada como consorte de Yahveh, o Deus nacional de Israel.

Existem referências sobre a adoração de muitos deuses no livro de Reis: Salomão constrói templos para muitos deuses e Josias é retratado a derrubar estátuas de Asherah no templo que Salomão construiu para o Yahveh. O avô de Josias, Manassés, tinha erguido esta estátua (2 Reis 21: 7).

Outra evidência inclui as muitas figuras femininas desenterrados no antigo Israel, apoiando a visão de que Asherah funcionava como uma deusa e consorte de Yahveh e era adorada como a Rainha do Céu. O livro de Jeremias, escrito por volta de 628 AEC, refere-se a Asherah quando menciona a "Rainha dos Céus":
Jeremias 7:18 Os filhos apanham a lenha, e os pais acendem o fogo, e as mulheres amassam a farinha, para fazerem bolos à deusa chamada Rainha dos Céus, e oferecem libações a outros deuses, para me provocarem à ira. 
Jeremias 44:17-19 antes, certamente, cumpriremos toda a palavra que saiu da nossa boca, queimando incenso à deusa chamada Rainha dos Céus e oferecendo-lhe libações, como nós e nossos pais, nossos reis e nossos príncipes temos feito, nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém; e tivemos, então, fartura de pão, e andávamos alegres, e não vimos mal algum. Mas, desde que cessamos de queimar incenso à Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos consumidos pela espada e pela fome. Quando nós queimávamos incenso à Rainha dos Céus e lhe oferecíamos libações, fizemos-lhe bolos para a adorar e oferecemos-lhe libações sem nossos maridos? 
Jeremias 44:25 Assim fala o Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, dizendo: Vós e vossas mulheres não somente falastes por vossa boca, senão também o fizestes por vossas mãos, dizendo: Certamente, cumpriremos os nossos votos que fizemos, de queimar incenso à Rainha dos Céus e de lhe oferecer libações; perfeitamente confirmastes os vossos votos e perfeitamente cumpristes os vossos votos.


Referências:
  - https://en.wikipedia.org/wiki/Asherah
  - https://en.wikipedia.org/wiki/Kuntillet_Ajrud


Recomendado:
  - Inanna - ressuscita ao fim de três dias


domingo, 1 de maio de 2011

Moisés e os Cornos de Deus





O deus do Antigo Testamento, alternadamente Yahveh ou El, foi, por diversas vezes, retratado como possuindo cornos e outras qualidades animais ou mitológicas.

A maioria das traduções do Antigo Testamento tentam esconder estas qualidades, pois não são concordantes com um deus invisível, criador do mundo, etc.



Deus é um touro de guerra

Comecemos com Balaão, um profeta caldeu, que é apresentado em Números como um admirador especial das qualidades de Yahveh:

Núme­ros 23:22 (João Fer­reira de Almeida)
É Deus que os vem tirando do Egito; as suas for­ças são como as do boi sel­va­gem.

Núme­ros 24:8 (João Fer­reira de Almeida)
É Deus que os vem tirando do Egito; as suas for­ças são como as do boi sel­va­gem; ele devo­rará as nações, seus adver­sá­rios, lhes que­brará os ossos, e com as suas setas os atra­ves­sará.

Este personagem, Balaão, descreve o Deus dos israelitas com as qualidades de um touro de guerra.


Os cornos contagiosos

Moisés, quando desceu do monte Sinai, depois de falar com deus, apareceu ao povo com cornos, como se as qualidades divinas fossem contagiosas:

Êxodo 34:29-35 (João Ferreira de Almeida)
Quando Moisés desceu do monte Sinai, trazendo nas mãos as duas tábuas do testemunho, sim, quando desceu do monte, Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, por haver Deus falado com ele. (.…) Assim, pois, viam os filhos de Israel o rosto de Moisés, e que a pele do seu rosto resplandecia; e tornava Moisés a pôr o véu sobre o seu rosto, até entrar para falar com Deus.



O tradutor (neste caso, João Ferreira de Almeida) trocou os “cornos” por “resplandecimento”. Noutras traduções aparecem “raios de luz”, mas na tradução para o Latim - a Vulgata Latina do século IV - ainda eram visíveis os “cornos” no texto:

Êxodo 34:29-35 (Vulgata Latina
cumque descenderet Moses de monte Sinai tenebat duas tabulas testimonii et ignorabat quod cornuta esset facies sua ex consortio sermonis Dei
(…) qui videbant faciem egredientis Mosi esse cor­nutam sed ope­ri­e­bat rur­sus ille faciem suam si quando loque­ba­tur ad eos

Baseando-se na tradução latina, Michelangelo retratou Moisés com cornos.

Também na versão em hebraico conseguimos ver a palavra chifre (https://biblehub.com/interlinear/exodus/34-29.htm)
Podemos ver no dicionário que a palavra קָרַ֛ן significa chifre, para além de raio de luz (https://en.wiktionary.org/wiki/%D7%A7%D7%A8%D7%9F)


O altar com chifres

Deus ordena que se construa um altar com chifres nos quatro cantos (Êxodo 27:1–2; Êxodo 38:1–2; Levítico 4:18,25).





Qual era a utilidade destes chifres? Serviam de protecção. Quem ficasse a segurar estes chifres ficaria protegido - por lei - de possíveis perseguições ou ameaças.
1 Reis 1:50–51 (Nova Versão Internacional) 
Mas Adonias, com medo de Salomão, foi agarrar-se às pontas do altar. Então informaram a Salomão: “Adonias está com medo do rei Salomão e está agarrado às pontas do altar. Ele diz: ‘Que o rei Salomão jure que não matará este seu servo pela espada’”. 

1 Reis 2:28 (Nova Versão Internacional) 
Quando a notícia chegou a Joabe, que havia conspirado com Adonias, ainda que não com Absalão, ele fugiu para a Tenda do Senhor e agarrou-se às pontas do altar.


Um cântico serve para mostrar a crença na protecção oferecida pelo chifre de Deus:
2 Samuel 22:3 (Nova Versão Internacional) 
O meu Deus é a minha rocha, em que me refúgio;
o meu escudo e o meu poderoso (hebraico: chifre) salvador.
Ele é a minha torre alta, o meu abrigo seguro.
Tu, Senhor, és o meu salvador, e me salvas dos violentos.


Deus é um dragão guerreiro

Um poema em Salmos 18 retrata o deus dos judeus como um dragão guerreiro que voa montado num querubim:

Salmos 18 (Nova Versão Internacional) 
1 Eu te amo, ó Senhor, minha força.
2 O Senhor é a minha rocha, a minha fortaleza e o meu libertador;
o meu Deus é o meu rochedo, em quem me refúgio.
Ele é o meu escudo e o poder (hebraico: chifre) que me salva, a minha torre alta.
.…
8 Das suas narinas subiu fumaça; da sua boca saíram brasas vivas e fogo consumidor.
9 Ele abriu os céus e desceu;
nuvens escuras estavam sob os seus pés.
10 Montou um querubim e voou, deslizando sobre as asas do vento.
11 Fez das trevas o seu esconderijo, das escuras nuvens, cheias de água, o abrigo que o envolvia.
12 Com o fulgor da sua presença as nuvens se desfizeram em granizo e raios,
13 quando dos céus trovejou o Senhor, e ressoou a voz do Altíssimo.
14 Atirou suas flechas e dispersou meus inimigos, com seus raios os derrotou.

O que monta, agora, Yah­veh? Ora!... Monta um que­ru­bim! Mas como seria um querubim?



"Querubim" é uma palavra assíria - portanto Yahveh só poderia montar uma figura mitológica dos assírios! Os assírios retratavam estas figuras como quadrúpedes alados com cabeça humana.