domingo, 14 de outubro de 2012

Marcos - Censura IX - Jesus tinha emoções? Era bom?


Os autores de Mateus e Lucas, em algumas passagens, não se limitaram a copiar as frases encontradas em Marcos. Algumas alterações ao texto revelam a intenção de simplesmente o embelezar, mas outras revelam a intenção de modificar a doutrina apresentada em Marcos.




Jesus e as emoções e os afectos

“Mateus” e “Lucas” entenderam que Jesus não se “indigna”, pois a indignação é uma emoção demasiado humana e Jesus tinha de ser retratado como sobre-humano.

No entanto, em Marcos, na passagem onde Jesus profere a famosa frase “Deixai vir a mim as crianças...”, o autor descreveu Jesus indignado com os discípulos por estes impedirem as crianças de se aproximarem.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 10:13-16 Então lhe traziam algumas crianças para que as tocasse; mas os discípulos os repreenderam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim as crianças, e não as impeçais, porque de tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como criança, de maneira nenhuma entrará nele. E, tomando-as nos seus braços, as abençoou, pondo as mãos sobre elas.    
Mateus 19:13-15 Então lhe trouxeram algumas crianças para que lhes impusesse as mãos, e orasse; mas os discípulos os repreenderam. Jesus, porém, disse: Deixai as crianças e não as impeçais de virem a mim, porque de tais é o reino dos céus.  E, depois de lhes impor as mãos, partiu dali.

   
Lucas 18:15-17 Traziam-lhe também as crianças, para que as tocasse; mas os discípulos, vendo isso, os repreendiam. Jesus, porém, chamando-as para si, disse: Deixai vir a mim as crianças, e não as impeçais, porque de tais é o reino de Deus.

Repare-se, então, na omissão da expressão “indignou-se” em Mateus e Lucas. Na mesma passagem, em Marcos vemos que Jesus, num gesto afectuoso, abraçou as crianças mas em Mateus e Lucas esse gesto é omitido. E, recuando um capítulo, também numa passagem envolvendo uma criança, vemos, também apenas em Marcos, Jesus num gesto afectuoso.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 9:36 Então tomou uma criança, pô-la no meio deles e, abraçando-a, disse-lhes:
Mateus 18:2 Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles,
Lucas 9:47 Mas Jesus, percebendo o pensamento de seus corações, tomou uma criança, pô-la junto de si,

Marcos retrata um Jesus definitivamente mais humano, pois menciona que Jesus abraçou a criança. Mas faz parte da estratégia de "Marcos" retratar o "filho de Deus" como sendo muito humano.



Jesus “não é bom”?

Em Marcos, Jesus repreende um seu interlocutor por este o ter chamado de “bom mestre”, argumentando que só “Deus é bom”. Para “Mateus” não fazia sentido que Jesus não se considerasse "bom”.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 10:17-18 ... correu para ele um homem, o qual se ajoelhou diante dele e lhe perguntou: Bom Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? ninguém é bom, senão um que é Deus.
Mateus 19:16-17 E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? Respondeu-lhe ele: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom; mas se é que queres entrar na vida, guarda os mandamentos.
Lucas 18:18-19 E perguntou-lhe um dos principais: Bom Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus.

“Mateus” faz com que o interlocutor, em vez de lhe chamar “Bom Mestre”, lhe pergunte genericamente sobre o “Bem” e Jesus, em vez de “ninguém é bom, senão Deus”, diz “um só é bom”, sem especificar quem é que é bom (Mateus escolheu a profissão errada, em vez de cobrador de impostos deveria ser político...).



Os apóstolos que queriam destaque

“Marcos” conta que, a certa altura, Tiago e João pediram lugares de destaque no Reino de Deus.

Marcos
Mateus
Marcos 10:35-37 Nisso aproximaram-se dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, dizendo-lhe: Mestre, queremos que nos faças o que te pedirmos. Ele, pois, lhes perguntou: Que quereis que eu vos faça? Responderam-lhe: Concede-nos que na tua glória nos sentemos, um à tua direita, e outro à tua esquerda. 
Mateus 20:20-21 Aproximou-se dele, então, a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, ajoelhando-se e fazendo-lhe um pedido. Perguntou-lhe Jesus: Que queres? Ela lhe respondeu: Concede que estes meus dois filhos se sentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino.

“Mateus” resolveu que estes dois apóstolos não seriam tão presunçosos para fazer tal pedido e, então, transferiu a imodéstia para a mãe deles.

Em ambas versões, Jesus diz que não pode satisfazer o pedido e os outros apóstolos ficam indignados com os dois irmãos. Aqui Jesus é que deveria ter ficado indignado com o atrevimento de Tiago e João.

Mas, no fundo, "Marcos" queria fazer uma brincadeira com estes dois apóstolos: eles pretendiam ficar à direita e à esquerda de Jesus na sua glória, mas quem fica à direita e esquerda de Jesus, na sua glória (quando é declarado Rei dos Judeus), são uns salteadores.


Marcos 15:26,27 
E, por cima dele, estava escrita a sua acusação: O Rei dos Judeus. E crucificaram com ele dois salteadores, um à sua direita, e outro à esquerda. 

A figueira irritante

No episódio com a figueira, “Marcos” não achou estranho estar a relatar que Jesus irritou-se e amaldiçoou uma figueira por esta não ter figos... fora da época dos figos! A maldição só teve efeito na manhã seguinte.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 11:12-21 No dia seguinte, depois de saírem de Betânia teve fome, e avistando de longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se, porventura, acharia nela alguma coisa; e chegando a ela, nada achou senão folhas, porque não era tempo de figos. E Jesus, falando, disse à figueira: Nunca mais coma alguém fruto de ti. E seus discípulos ouviram isso. ...
Quando passavam na manhã seguinte, viram que a figueira tinha secado desde as raízes. Então Pedro, lembrando-se, disse-lhe: Olha, Mestre, secou-se a figueira que amaldiçoaste.

Mateus 21:18-22 Ora, de manhã, ao voltar à cidade, teve fome; e, avistando uma figueira à beira do caminho, dela se aproximou, e não achou nela senão folhas somente; e disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou imediatamente. Quando os discípulos viram isso, perguntaram admirados: Como é que imediatamente secou a figueira? Jesus, porém, respondeu-lhes: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até, se a este monte disserdes: Ergue-te e lança-te no mar, isso será feito; e tudo o que pedirdes na oração, crendo, recebereis.
Lucas 13:6-7 E passou a narrar esta parábola: Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha; e indo procurar fruto nela, não o achou. Disse então ao viticultor: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; para que ocupa ela ainda a terra inutilmente?

Por outro lado, “Mateus” omite a parte que diz que “não se estava na época dos figos” e, na sua versão, os resultados da maldição são instantâneos, porque a figueira seca de imediato.

“Lucas”, sem dúvida embaraçado pelo absurdo e comicidade deste episódio, transformou toda esta passagem numa parábola que Jesus proferiu, livrando-se deste embaraço.

Mas esta passagem de Marcos era já, por si mesmo, uma parábola sobre Templo de Jerusalém. O Templo de Jerusalém "secou" no ano 70 EC, quando o exército romano o incendiou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário