quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Mateus - Doutrina II - Judaísmo





Mateus, o escritor judeu

Vamos agora confirmar, com mais pistas, que Mateus é o evangelho que mais se adequava aos leitores judeus da época, ou seja, é o mais judaico. Parece que “Mateus” fez uma adaptação do livro de Marcos só para os judeus.

Alguns homens podiam perdoar pecados

“Marcos” diz que os escribas queixaram-se de Jesus blasfamar por perdoar os pecados.

Marcos
Mateus
Marcos 2:7-8 Por que fala assim este homem? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão um só, que é Deus?  Mas Jesus logo percebeu em seu espírito que eles assim arrazoavam dentro de si, e perguntou-lhes: Por que arrazoais desse modo em vossos corações?
Mateus 9:3-4 E alguns dos escribas disseram consigo: Este homem blasfema. Mas Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que pensais o mal em vossos corações?

“Mateus”, sabendo que os judeus crêem que alguns homens podem ser mandatados por Deus para perdoar pecados, omitiu a expressão “quem pode perdoar senão Deus?” que, segundo a opinião de um judeu, não poderia ser proferida por um escriba, um especialista nas leis judaicas.

Um dos livros da lei judaica, o Levítico, dá indicação que os sacerdotes eram intermediários no perdão:
Levítico 5:13 Assim o sacerdote fará por ele expiação do seu pecado, que houver cometido em alguma destas coisas, e ele será perdoado; e o restante pertencerá ao sacerdote, como a oferta de cereais.


Filho da mãe ou do pai?

Na cultura judaica do tempo de “Mateus”, identificar um indivíduo apenas pela sua filiação materna, era considerado ofensivo, porque insinuava que a pessoa em questão era filho de pai incógnito.

Marcos
Mateus
Marcos 6:3 Não é este o carpinteiro,  filho de Maria, ...?
Mateus 13:55 Não é este o filho do carpinteiro? ...

“Mateus” corrige essa falta que, pelo visto, para “Marcos”, não constituiu problema, provavelmente por pertencer a outra esfera cultural.

Para além disto, nesta mesma passagem “Mateus” transferiu a profissão de carpinteiro para o hipotético pai. Para este autor, Jesus era um Mestre e não um carpinteiro.


Moisés, não... Deus!

“Marcos” cita (ou, melhor, descreve Jesus a citar) um dos dez mandamentos como se estes tivessem sido ditados por Moisés, mostrando que tinha o entendimento de uma pessoa que não segue as crenças judaicas.

Marcos
Mateus
Marcos 7:10 Pois Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá. ...
Mateus 15:4 Pois Deus ordenou: Honra a teu pai e a tua mãe; e, Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, certamente morrerá. ...

“Mateus” corrige, dizendo que foi Deus quem ditou os dez mandamentos e não Moisés, mostrando ser um verdadeiro crente nas antigas escrituras judaicas.


Defraudai à vontade!

“Marcos” coloca na boca de Jesus o mandamento “ninguém defraudarás” que, embora seja um ensinamento louvável e estivesse registado na Lei (Levítico 19:13), não fazia parte dos dez mandamentos enunciados por Moisés.

Marcos
Mateus
Marcos 10:19 Sabes os mandamentos: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; a ninguém defraudarás; honra a teu pai e a tua mãe.
Mateus 19:18-19 Perguntou-lhe ele: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo.

“Mateus” remove o lapso de “Marcos” substituindo-o pelo mandamento “amarás o teu próximo como a ti mesmo” que poderia ser considerado como um sumário de todos os mandamentos e também estava escrito na Lei (Levítico 19:18).

Podemos ler em Êxodo 20:2-17, quais eram considerados os dez mandamentos:

Êxodo 20:2-17
 - ter um único Deus
 - não ter ídolos
 - não invocar o nome de Deus futilmente
 - guardar o sábado
 - honrar pai e mãe
 - não assassinar
 - não praticar adultério
 - não furtar
 - não testemunhar falsidades
 - não cobiçar

E... confirmamos que o “não defraudar” não faz parte.


Nem todos são filhos de David

Em Marcos, no episódio da entrada triunfal em Jerusalém, a multidão clama como se todos os judeus fossem filhos de David.

Marcos
Mateus
Marcos 11:10 Bendito o reino que vem, o reino de nosso pai David! Hosana nas alturas!
Mateus 21:9 E as multidões, tanto as que o precediam como as que o seguiam, clamavam, dizendo: Hosana ao Filho de David! bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!

Qualquer judeu poderia considerar-se descendente de Abraão ou de Jacob (que também foi chamado Israel), mas não descendente do rei David, por isso “Mateus” substituiu a parte “bendito o reino que vem, o reino de nosso pai David” por “bendito o que vem em nome do Senhor”.


A Páscoa é a 14 de Nisã

“Marcos” não sabia que a Páscoa era na noite do dia 14 de Nisã e que a festa dos pães não fermentados começava no dia 15.

Marcos
Mateus
Marcos 14:12 Ora, no primeiro dia dos pães ázimos, quando imolavam a páscoa, disseram-lhe seus discípulos: Aonde queres que vamos fazer os preparativos para comeres a páscoa?
Mateus 26:17 Ora, no primeiro dia dos pães ázimos, vieram os discípulos a Jesus, e perguntaram: Onde queres que façamos os preparativos para comeres a páscoa?

“Marcos”, obviamente, não conhecia a lei que estava publicada num dos livros da lei, o Levítico:
Levítico 23:5-6 No mês primeiro, aos catorze do mês, à tardinha, é a páscoa do Senhor. E aos quinze dias desse mês é a festa dos pães ázimos do Senhor; sete dias comereis pães ázimos.

“Mateus” omitiu parte da inconsistência mas não toda. Provavelmente não quis intrometer-se demasiado na narrativa já existente.


Carregar água é trabalho de mulher

Em “Marcos”, Jesus ordena aos apóstolos para se encontrarem com um “agente secreto” para prepararem a última ceia. Reconheceriam-no por este transportar um cântaro de água.

Marcos
Mateus
Marcos 14:13-14 Enviou, pois, dois dos seus discípulos, e disse-lhes: Ide à cidade, e vos sairá ao encontro um homem levando um cântaro de água; seguí-o; e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa: O Mestre manda perguntar: Onde está o meu aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?
Mateus 26:18 Respondeu ele: Ide à cidade a um certo homem, e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos.

Para os judeus desse tempo, carregar água era um trabalho de mulher, por isso “Mateus” removeu a referência ao cântaro.

Como curiosidade adicional, existe ainda a seguinte diferença sobre o papel atribuído ao “agente secreto”:
-          em Marcos, este homem teria de indicar a casa onde Jesus iria fazer o jantar de Páscoa, mas não era o dono da casa;
-          em Mateus, este homem era o dono da casa.


O dia começa ao pôr-do-sol

Actualmente, consideramos a transição dos dias à meia-noite, isto é, as nossas zero horas correspondem ao meio da noite. Para os romanos a transição dos dias também funcionava assim.

Porém, para os judeus o dia acabava ao pôr-do-sol e um novo dia começava logo a seguir com o início da noite. Haviam duas contagens de horas: as da noite e as do dia. As horas da noite começavam a ser contadas a partir do pôr-do-sol e as horas do dia começavam a partir do nascer-do-sol.

Em Marcos, um texto como o seguinte poderia causar alguma ambiguidade num leitor judeu:

Marcos
Mateus
Marcos 15:42 Ao cair da tarde, como era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado,
Mateus 27:57-62 Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, ... . No dia seguinte, isto é, o dia depois da preparação, ...

Nesta passagem de Marcos relata-se os acontecimentos que sucederam imediatamente após a morte de Jesus. Parece dizer que, após o cair da tarde, chegou a sexta-feira. Um leitor judeu poderia concluir que Jesus morreu numa quinta-feira, imediatamente antes de se entrar na sexta-feira.
“Mateus” clarifica toda esta situação na sua versão do relato, explicitando o momento em que começou o sábado.


Não se compra nada ao sábado

Marcos relata que José de Arimatéia comprou um pano de linho, já ao cair da tarde, ou seja, quando se iniciava o sábado (Sabbath, o dia santo dos judeus).

Marcos
Mateus
Marcos 15:45-46 E, depois que o soube do centurião, cedeu o cadáver a José; o qual, tendo comprado um pano de linho, tirou da cruz o corpo, envolveu-o no pano e o depositou num sepulcro aberto em rocha; e rolou uma pedra para a porta do sepulcro.
Mateus 27:57-59 Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, que também era discípulo de Jesus. Esse foi a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe fosse entregue. E José, tomando o corpo, envolveu-o num pano limpo, de linho, ...

Mateus omite a parte que menciona a compra, pois sabia que era inadmissível fazer-se compras ao sábado em Jerusalém.

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