terça-feira, 11 de dezembro de 2012

João vs Sinópticos IV - Eucaristia




Eucaristia

Nos três evangelhos sinópticos, no final da última ceia, Jesus celebra a eucaristia. Esta celebração consiste em comer o pão e tomar o vinho simbolizando o corpo e o sangue do Cristo.

Em João não há relato da celebração da eucaristia na noite da última ceia. Existe apenas o relato de Jesus a lavar os pés dos discípulos, após a ceia, e a discursar longamente. No entanto, numa passagem anterior (fora do contexto da última ceia) é referido por Jesus que “só aquele que come a carne e bebe o sangue do Cristo é que tem salvação” sem haver uma ligação simbólica ao pão e ao vinho.
João 6:53-56 Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.

Repare-se que nestas declarações não existe o simbolismo do pão e do vinho. Pelo contrário, a utilização do termo “verdadeiramente” reforça a noção que estas deveriam ser entendidas literalmente. No entanto, na sequência desta passagem, Jesus explica que a carne é o espírito e o sangue é a vida. Em todo o caso, “João” não fala em nenhuma celebração simbólica com recurso a pão e vinho, e também não existe qualquer ligação à última ceia. E podemos também dizer que esta doutrina de João foi muitas vezes entendida literalmente pelos perseguidores dos cristãos que, muitas vezes, acusavam estes de práticas canibalísticas.

Por outro lado, o (auto-proclamado) apóstolo Paulo, que conheceu Jesus apenas por visões, disse que recebeu as seguintes instruções para a eucaristia:
1 Coríntios 11:23-25 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.

Esta carta, dirigida à igreja de Corinto, foi escrita antes dos evangelhos. Ora, Paulo não estava presente na última ceia com Jesus. Ele disse aos coríntios que foi o "Senhor" (pressupõe que foi por visão ou revelação) que lhe informou como se praticava a eucaristia (mas as visões só ensinam aquilo que uma pessoa já conhece de antemão...). Então, de onde foi Paulo buscar este ritual de comunhão?

O mitraísmo, originário dos persas, tornou-se um culto muito popular para os romanos nesta época. Em tempos, teve rituais que incluíam o sacrifício de um touro fazendo uso da carne e do sangue, mas posteriormente outros rituais eram acompanhados da seguinte frase ou dizer litúrgico: “quem não comer da minha carne e beber do meu sangue de modo a tornar-se parte de mim e eu parte dele, não terá salvação”. Ora havia um grande centro de culto do mitraísmo em Tarso, a cidade originária de Paulo, o que leva a crer que Paulo é que instituiu a eucaristia e não Jesus. Mas a reverência que os judeus tinham pelo sangue (Levítico 3:17; 7:26; Deuteronómio 12:16, 23) não permitia o seu consumo, como ditaria a liturgia, por isso o passo natural seria adoptar ingredientes substitutos, o pão e o vinho, mas mantendo a simbologia. A utilização de pão e vinho teria a vantagem adicional de ser menos dispendioso e mais discreto do que a utilização de um animal sacrificado.

Tendo em conta que a carta aos coríntios foi escrita por volta de 50 EC, imaginemos os cenários alternativos:
-          Jesus instituiu a eucaristia na noite da última ceia, por volta de 30 EC – então os apóstolos tiveram cerca de vinte anos para ensinar e propagar o ritual da eucaristia antes de Paulo escrever esta carta, e não faria sentido Paulo dizer que foi Jesus que lhe transmitiu numa visão;
-          Jesus não instituiu a eucaristia, Paulo é que instituiu – quando chegou a altura da escrita dos evangelhos, em 70 EC, a eucaristia já era um facto entre os cristãos, por isso foi incorporada no relato dos evangelhos;
-          nem Jesus nem Paulo instituiram a eucaristia – este ritual já era praticado antes pelos adeptos do mitraísmo, uma religião popular entre os romanos, e Paulo apenas a integrou no cristianismo.



Bebeu ou não bebeu?

Nos sinópticos, no final da eucaristia, Jesus promete aos apóstolos que não beberá mais nenhum “produto da videira” até ao dia em que se encontrasse no Reino de Deus.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 14:25 Em verdade vos digo que não beberei mais do fruto da videira, até aquele dia em que o beber, novo, no reino de Deus.
Mateus 26:29 Mas digo-vos que desde agora não mais beberei deste fruto da videira até aquele dia em que convosco o beba novo, no reino de meu Pai.
Lucas 22:18 porque vos digo que desde agora não mais beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus.


Nos sinópticos, Jesus é verdadeiro com a sua palavras, pois durante o seu caminho para a crucificação, é-lhe oferecido vinho, mas ele recusa.

Marcos
Mateus
Marcos 15:22-23 Levaram-no, pois, ao lugar do Gólgota, que quer dizer, lugar da Caveira. E ofereciam-lhe vinho misturado com mirra; mas ele não o tomou.  
Mateus 27:33-34 Quando chegaram ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer, lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinho misturado com fel; mas ele, provando-o, não quis beber.    


No entanto, enquanto estava na cruz, é-lhe oferecido vinagre (vinho acre) para beber, mas, nos sinópticos, não fica claro se Jesus aceitou e bebeu ou se recusou esta oferta.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 15:36 Correu um deles, ensopou uma esponja em vinagre e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber, dizendo: Deixai, vejamos se Elias virá tirá-lo.
Mateus 27:48-49 E logo correu um deles, tomou uma esponja, ensopou-a em vinagre e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber. Os outros, porém, disseram: Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo.
Lucas 23:36-37 Os soldados também o escarneciam, chegando-se a ele, oferecendo-lhe vinagre, e dizendo: Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo.


Em João, fica explícito que ele tomou o vinagre, bebendo-o.
João 19:29-30 Estava ali um vaso cheio de vinagre. Puseram, pois, numa cana de hissopo uma esponja ensopada de vinagre, e lha chegaram à boca. Então Jesus, depois de ter tomado o vinagre, disse: está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. 

Se combinarmos a informação de João com os sinópticos então Jesus não cumpriu a sua palavra ao ter recebido o vinagre para beber, porque vinagre é um “produto da videira”. Mas, como em João não existe o episódio da celebração da eucaristia, também não houve a promessa que Jesus fez de não mais beber do produto da videira.




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