quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Paulo - A Conversão na Primeira Pessoa




Já vimos que o autor de Actos quis fazer uma biografia de Paulo, dando relevo ao episódio da sua conversão a Cristo com três narrativas do mesmo episódio. Vejamos agora as referências de Paulo, em primeira mão, sobre a sua conversão à nova fé cristã.

Em Gálatas 1:11-19 Paulo refere que tudo o que ensina (aos seus leitores da Galácia) veio através de revelação de Cristo e não através de homens, porque só três anos após a sua conversão é que conheceu os apóstolos Cefas (no Evangelho Segundo João, este Cefas é Pedro) e Tiago “irmão do Senhor” (aqui não se percebe a qual Tiago se refere Paulo; nos evangelhos existem dois apóstolos com esse nome, um filho de Zebedeu e um filho de Alfeu, e também outro Tiago, irmão de Jesus, que não era apóstolo)
Gálatas 1:11-19 Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens; porque não o recebi de homem algum, nem me foi ensinado; mas o recebi por revelação de Jesus Cristo. Pois já ouvistes qual foi outrora o meu procedimento no judaísmo, como sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a assolava, e na minha nação excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para estar com os que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a Arábia, e voltei outra vez a Damasco. Depois, passados três anos, subi a Jerusalém para visitar a Cefas, e demorei com ele quinze dias. Mas não vi nenhum outro dos apóstolos, senão Tiago, irmão do Senhor.


Em 1 Coríntios 15:1-10, Paulo diz qual foi a sequência dos beneficiários das revelações de Cristo, mostrando-se como o último destes, mas que, no fim de contas, foi ele quem mais trabalhou em prole do chamamento de novos fiéis.
1 Coríntios 15:1-10 ... Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, e depois aos doze; depois apareceu a mais de quinhentos irmãos duma vez, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormiram; depois apareceu a Tiago, então a todos os apóstolos; e por derradeiro de todos apareceu também a mim, como a [alguém nascido fora do seu tempo]. Pois eu sou o menor dos apóstolos, que nem sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.

Portanto Paulo afirma que conheceu a mensagem do ressuscitado Cristo apenas por revelação, sem a intervenção de qualquer homem, Ou seja, Paulo afirma que não teve um instrutor humano, nenhum daqueles apóstolos ou discípulos a quem Jesus deu a missão de fazer novos discípulos. Com isto, a vida terrena de Jesus, tal como é narrada nos evangelhos, não teria o menor sentido, a não ser os episódios da sua crucificação e da sua ressurreição. Os apóstolos que Paulo refere supostamente tiveram o mesmo tipo de revelação que ele teve e não uma convivência quotidiana com um pregador chamado Jesus da Nazaré. A única diferença é que Paulo afirma ter recebido a revelação um pouco mais tarde que outros apóstolos.

Para Paulo, o Cristo era uma criatura divina que se sacrificara para resgatar os homens e nunca um carpinteiro da Galiléia. Ao contrário do Jesus dos evangelhos, o Cristo de Paulo é intemporal, ou seja, não está ligado a nenhuma época ou espaço de tempo específico. A sua morte não ocorreu nas mãos de nenhuma autoridade romana nem de nenhuma outra autoridade histórica.

No entanto, Paulo, numa das suas primeiras cartas (ou naquela que é provavelmente a sua carta mais antiga), promete a “presença do Senhor” para breve. Diz que alguns ainda estarão vivos para ver o “Senhor” descer do céu, levar os vivos para as nuvens e ressuscitar aqueles que morreram entretanto (1 Tessalonicenses 4:13-18).

1 Tessalonicenses 4:13-18 ... Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, com voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras. 


O Cristo de Paulo ainda estava para vir à Terra! Essa visita do Cristo seria ainda dentro da geração - ou seja, durante a vida - de Paulo e dos destinatários das suas cartas.



domingo, 24 de fevereiro de 2013

Paulo - Introdução Sobre as Cartas




São treze as cartas do Novo Testamento tradicionalmente atribuídas a Paulo, porque todos estes textos têm uma abertura com o nome “Paulo”. No quadro seguinte apresentam-se estas cartas pela possível ordem cronológica de escrita e não pela ordem de disposição no Novo Testamento.


Carta
Data (EC)
Classificação
Observações
1 Tessalonicenses
50-51
Reconhecidamente genuinas e pertencentes a Paulo.
Provavelmente escrita uns anos após a fundação da igreja de Tessalónica, capital da Macedónia, excepto alguns versículos que podem ter sido uma inserção posterior.

Filipenses
54-55
Dirigida à igreja de Filipos, na Macedónia, é possível que tenha sido o resultado da fusão de fragmentos de duas ou mais cartas.

Gálatas
54-55
Estas quatro cartas são consideradas as principais e são consideradas como autênticas. No entanto, a avaliar pela sua extensão e conteúdo, cada uma pode ser o resultado da composição de várias cartas.
O autor ensina principalmente sobre a desvinculação em relação às leis dos judeus. Parece uma arrumação temática em torno de uma carta.

1 Coríntios
55-56
Nesta carta há referência a uma carta anterior que não sobreviveu.

2 Coríntios
50-60
O autor descreve uma carta anterior que não se enquadra no conteúdo de 1ª Coríntios, por isso esta seria a terceira carta ou posterior.

Romanos
56-57 EC
A extensão desta carta parece incomportável para uma única peça de correspondência.

Filemon
50-60
Carta pessoal, considerada como autêntica.
É uma curta carta de âmbito pessoal que quase não contém doutrina.

Colossenses
50-80
O autor certamente não foi Paulo, porque falta o estilo e calor pessoal que se encontram nas anteriores.
É possível que tenha sido escrita por um sucessor de Paulo tendo por base algum material autêntico, como Filemon.

2 Tessalonicenses
80-100
Provavelmente foi escrita com o intuito de substituir a primeira, 1ª Tessalonicenses, a genuína.

Efésios
80-100
Provavelmente o autor desta carta tinha a ambição de reescrever Colossenses.

1 Timóteo
140-150
Cartas pastorais, consideradas como tendo sido escritas por sucessores de Paulo.
Certamente escritas com falsificação de identidade, pois não eram conhecidas por Marcion de Sínope em 140 EC.

2 Timóteo
140-150
Tito
140-150


Temos portanto as seguintes classificações para as cartas:

-          sete autênticas: a maior parte do conteúdo pode ser atribuída a Paulo, embora a sua arrumação possa ser um trabalho posterior;

-          três duvidosas: podem conter algum conteúdo original de Paulo, mas é provável que contenham demasiado conteúdo cujo autor não foi Paulo;

-          outras três cartas, as pastorais, que certamente não foram escritas por Paulo.


A grande extensão de algumas cartas bem como abruptas mudanças de assunto e contexto, indiciam que as cartas autênticas de Paulo no Novo Testamento constituem mais de sete peças de correspondência.

Algumas denominações atribuem ainda a autoria da Carta aos Hebreus a Paulo, embora o seu nome não conste na abertura do texto.


Referências:


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Paulo - O Que Ele Não Sabia





Segundo a sua própria descrição, Paulo era um fariseu zeloso que começou por perseguir os judeus que não respeitavam os costumes (Filipenses 3:5-6). Entre esses judeus estavam os novos cristãos. Depois teve uma visão (ou alucinação) de Cristo que mudou o curso da sua vida.

O seu legado foram as cartas que escreveu para diversas igrejas cristãs, algumas que ele próprio fundou. No entanto, estas cartas são silenciosas em relação aos eventos que mais tarde foram registados nos evangelhos. Isto sugere que estes eventos, no mínimo, não eram conhecidos por Paulo. Por outro lado, caso as histórias dos evangelhos fossem reais, não poderiam ser ignoradas por Paulo pois viveu na mesma época em que Jesus deveria ter vivido e a sua conversão ao cristianismo é tradicionalmente datada como tendo ocorrido pouco depois da crucificação de Jesus.

Paulo não faz nenhuma referência a pai de Jesus ser José, nem de sua mãe ser a Virgem Maria. Nunca identifica Jesus com nenhum local, isto é, nem Belém, nem Nazaré, nem Cafarnaum. Paulo não deixa nenhuma pista sobre o local e data da sua existência física. Não se refere a um julgamento perante a autoridade romana, nem a Jerusalém como o local da execução. Nada sobre João Baptista o baptizar nem sobre Judas o traír. Menciona Pedro (Cefas) mas nunca num contexto em que Pedro tenha tido uma convivência quotidiana com Jesus.

Paulo nunca fala dos milagres de Jesus, nem dos ensinamentos éticos de Jesus, excepto acerca do casamento, que encontramos em 1 Coríntios 7:10 e também em Marcos 10:12. Neste caso, assumindo que os evangelhos foram escritos mais tarde, podemos dizer que “Marcos” inspirou-se também na doutrina de Paulo.

A avaliar pelo enquadramento histórico dos evangelhos, a vida pública de Jesus (tradicionalmente, de 29 a 33 EC) coincide com o tempo em que Paulo estaria em idade adulta. E, de acordo com Actos e com as suas próprias cartas, Paulo andou por Jerusalém por bastante tempo durante a sua idade adulta, na década de 30 EC, pois:

-          foi educado em Jerusalém e teve como professor o famoso Gamaliel, o qual viveu naquela época (morreu em 63 EC, segundo algumas fontes) e que, durante muito tempo, fez parte do Sinédrio (Actos 5:34-39; 22:3-5);

-          algum tempo depois da sua conversão a Cristo teve um episódio que envolveu (indirectamente) o rei Aretas da Nabateia (2 Coríntios 11:32-33); ora este rei árabe morreu em 40 EC, o que significa que a conversão de Paulo foi por volta da década de 30;


Segundo os evangelhos Jesus era famoso tanto na Galiléia como em Jerusalém:

-          a fama de Jesus como executante de curas milagrosas espalhou-se até à Síria, aparentemente logo no início da sua vida pública (Mateus 4:24);

-          os evangelhos sinópticos descrevem apenas uma única e curta permanência de Jesus em Jerusalém (poucos dias, até morrer) mas, segundo João, foram várias as viagens a Jerusalém;

-          a sua entrada triunfal em Jerusalém atraiu a atenção de grandes multidões (Mateus 21:1-10);

-          Cleopas, um dos viajantes no caminho para Emaus insinua (ao ressuscitado Jesus, não o reconhecendo) que todos em Jerusalém conheciam Jesus (Lucas 24:18).


Por outro lado, de acordo com Actos, Paulo exercia a sua actividade em Jerusalém, antes da sua conversão a Cristo, como autoridade legal sob o comando do Sinédrio (Actos 6:15-8:1; o Sinédrio condenou Estêvão e Paulo supervisionou o seu apedrejamento) e do sumo-sacerdote (Actos 9:1-2). Então:

-          porque é que Paulo não conheceu Jesus quando este causou os distúrbios no Templo, que despertaram a ira do sumo-sacerdote (Mateus 21:12-16)?

-          porque é que Paulo não soube nada sobre o julgamento de Jesus perante o Sinédrio ou sobre os espectaculares fenómenos que ocorreram depois da crucificação (Mateus 27:51-53; Lucas 23:44-45)?

-          porque é que Paulo, que escreveu cartas para comunidades tão distantes de Jerusalém (Roma, Grécia, Macedónia e Galácia), não descreveu estes episódios?


A resposta é que, quando Paulo escreveu as suas cartas (entre 50 e 60 EC), Jesus Nazareno ainda não tinha sido inventado!

Na maior parte das referências nas suas cartas (considerando apenas as genuinas), Paulo refere o filho de Deus como "Cristo" apenas - poucas vezes como "Jesus" ou "Jesus Cristo". A designação "Jesus" poderá ter sido acrescentada posteriormente numa tentativa de harmonização com os evangelhos.

Paulo divulgou a mensagem sobre o Cristo como protagonista de um evento mítico com consequências para os humanos. Esse evento teria ocorrido fora do contexto de espaço e tempo físico dos humanos, mas teria um impacto na vida das pessoas que cressem nisso. A crucificação e a ressurreição de Cristo teria ocorrido fora do domínio do mundo físico dos humanos. Para poderem conhecer e entender este fenómeno, essencial para a salvação pessoal, os crentes eram encorajados a libertarem-se das amarras do mundo material. Depois tinham apenas de esperar a vinda de Cristo à Terra para os levar para o céu.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Actos dos Apóstolos - Mais Episódios de Paulo




Paulo e a escapada no cesto

Um interessante episódio de Paulo é sobre uma fuga da cidade de Damasco. Paulo teve de escapar a uma ameaça de morte. O episódio foi narrado pelo próprio Paulo na 2ª Carta aos Coríntios e, posteriormente, em Actos.

2 Coríntios
Actos
2 Coríntios 11:32-33 Em Damasco, o que governava sob o rei Aretas pôs guardas às portas da cidade dos damascenos, para me prenderem, e fui descido num cesto por uma janela da muralha; e assim escapei das suas mãos.
Actos 9:23-25 Decorridos muitos dias, os judeus deliberaram entre si matá-lo. Mas as suas ciladas vieram ao conhecimento de Saulo. E como eles guardavam as portas de dia e de noite para tirar-lhe a vida, os discípulos, tomando-o de noite, desceram-no pelo muro, dentro de um cesto.


Ambas as passagens relatam uma fuga de Paulo, o qual desce um muro por meio de um cesto. A diferença entre estas reside, não na descrição da fuga, mas no motivo:

-          segundo o próprio Paulo, ele fugiu do governador de Damasco que o queria prender;

-          segundo o autor de Actos, Paulo fugiu de uns judeus que o queriam matar;


Será que as descrições são complementares? Isto é, será que o governador de Damasco, instigou os judeus a matarem Paulo? Não se pode saber. Mesmo argumentando-se que ambas descrições são complementares e não contraditórias, não se pode deixar de notar uma falta de rigor nos relatos. Mas, considerando que são contraditórias, e que a versão de Paulo é a verdadeira e que a de Actos é falsa, então estamos perante mais uma passagem de teor anti-semita (ou anti-judaica) para juntar àquelas que já encontrámos noutros locais.

Por outro lado, esta passagem poderia fornecer um importante enquadramento histórico para Paulo se pudéssemos confiar em Actos como fonte histórica. Este rei Aretas mencionado seria, provavelmente, Aretas IV Filopatris, rei da Nabateia entre 9 AEC e 40 EC. Isto significa que este episódio teria decorrido antes de 40 EC.

Para além de Actos ser pouco confiável em termos de relato histórico, um entrave para este episódio ser considerado para um enquadramento histórico é que não se sabe se Aretas IV detinha, na época, poder sobre Damasco, uma vez que a Síria estaria sob controle directo de Roma. No entanto, se o imperador romano em exercício, nesta época, era Calígula (37 a 41 EC), para o qual muito pouca documentação existe, podemos imaginar que entre a morte de Tibério e a instalação do seu sucessor pode ter havido, temporariamente, modificações políticas nas províncias do Império.



Paulo, fariseu até ao fim

De acordo com Actos, Paulo declarou-se como fariseu muitos anos depois da sua conversão a Cristo:
Actos 23:6 Sabendo Paulo que uma parte era de saduceus e outra de fariseus, clamou no sinédrio: Varões irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus; é por causa da esperança da ressurreição dos mortos que estou sendo julgado.

Obviamente, o autor desta passagem em Actos, desconhecia o Evangelho Segundo Mateus, onde Jesus coloca-se incondicionalmente contra os fariseus. Só no capítulo 23 de Mateus, Jesus chega a repetir a frase “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!” seis vezes!

Paulo não sabia que Jesus desprezava os fariseus?


A escolta para Cesaréia

O livro de Actos menciona uma desproporcionada escolta que foi convocada pelo comandante militar Cláudio Lísias para acompanhar Paulo de Jerusalém até Cesaréia para ser recebido pelo governador Félix:
Actos 23:23 Chamando dois centuriões, disse: Aprontai para a terceira hora da noite duzentos soldados de infantaria, setenta de cavalaria e duzentos lanceiros para irem até Cesaréia;

Esta escolta de Paulo era, portando, composta por 470 homens:
-          200 soldados de infantaria;
-          70 cavaleiros;
-          200 lanceiros.


Uma escolta de tal dimensão para, alegadamente, proteger Paulo de quarenta homens que esperavam uma oportunidade para o eliminar (Actos 23:21) é mais um absurdo entre os muitos de Actos.


sábado, 9 de fevereiro de 2013

Actos dos Apóstolos - Biografia de Paulo





Vejamos as características biográficas de Paulo que conseguimos extraír do livro de Actos dos Apóstolos e comparar com as suas próprias Cartas:

Característica biográfica
Cartas de Paulo
Actos dos Apóstolos
Natural de Tarso, capital da Cilícia (actualmente pertencente à Turquia)

Gálatas 1:21
(menciona a Cilícia mas não como a sua terra natal)

Actos 9:11; 11:25; 21:39; 22:3

Inicialmente chamava-se Saul, mas mudou o nome para Paulo


Actos 7:58; Actos 13:7-9 (aparentemente mudou de nome depois de um episódio com o romano Sérgio Paulo)

Era hebreu e foi educado como fariseu
2 Coríntios 11:22; Filipenses 3:5
Actos 22:3; 23:6-9; 26:4-5 (afirmou-se fariseu até ao fim da sua carreira)

Era cidadão romano


Actos 22:25-29; 23:27

Perseguia grupos religiosos dissidentes do judaísmo tradicional
Gálatas 1:13-14;
Filipenses 3:5-6;
1 Coríntios 15:9; (perseguia “a igreja de Deus”)

Actos 7:58-8:1; 9:1-2; 22:3-5; 26:4-12
(perseguia “o Caminho” e os seguidores de Jesus Nazareno)

Converteu-se devido a uma visão e revelação de Cristo
Gálatas 1:11-16;
1 Coríntios 15:8-10
(relata a revelação como uma experiência interior)

Actos 9:3-30; 22:6-10; 26:12-18
(a visão foi um evento semi-espectacular, a caminho de Damasco)

Incidente em Damasco: querem matá-lo mas consegue salvar-se

2 Coríntios 11:32
(o inimigo era o governador de Damasco)

Actos 9:24
(os inimigos eram judeus)

Vai a Jerusalém conhecer os apóstolos

Gálatas 1:17-20
(só três anos depois da revelação)

Actos 9:27
(pouco tempo depois da revelação)

É assistente de Barnabé numa viagem partindo de Antioquia


Actos 13-14
Concílio de Jerusalém (49 EC): decide-se não exigir as práticas judaicas aos cristãos convertidos

Gálatas 2:1-10
Actos 15
Em Antioquia, Paulo corta relações com Barnabé e Pedro
Gálatas 2:11-14
(devido a Barnabé e Pedro terem continuado a exigir as práticas judaicas para os convertidos)

Actos 15:36-41
(devido a não concordar que Barnabé levasse Marcos consigo;
mas não menciona Pedro nesta separação)

Outras viagens
(diversas referências ao longo das suas cartas)

Actos 16-28
Milagres e prodígios
(referências apenas a “demonstrações de poder”)

(diversas referências a milagres espectaculares ao longo do texto de Actos)


Uma escolta de 470 homens acompanham Paulo até Cesaréia


Actos 23:23-24


Claramente algumas das características biográficas de Paulo apresentadas em Actos não se confirmam nas cartas do próprio. Isto apesar de as Cartas de Paulo terem sido escritas muito antes e de ser provável que tenham servido de fonte para Actos dos Apóstolos.



Os milagres e prodígios de Paulo

Segundo o livro de Actos dos Apóstolos, Paulo realizou os seguintes milagres e prodígios:

-          provocou cegueira (sim, cegou!) a um homem chamado Barjesus em Chipre (Actos 13:6-12; andou Jesus a curar os cegos, cuspindo-lhes na cara, para depois Paulo cegar homens com uma visão perfeitamente sã!...);

-          curou um homem incapacitado do pés, em Listra, permitindo que andasse novamente (Actos 14:8-10);

-          ele próprio sobreviveu milagrosamente a uma morte certa após um violento apedrejamento prepetrado por uma multidão em Listra (Actos 14:19-20);

-          expulsou um demónio de uma mulher em Filipos (Actos 16:16-18);

-          ele foi liberto da prisão por um terramoto em Filipos (Actos 16:25-26);

-          as suas peças de roupa interior eram usadas com sucesso na cura de doentes na região da Ásia Menor (Actos 19:11-12);

-          ressuscitou um jovem de nome Êutico em Tróia (Actos 20:7-12; incidentalmente o jovem adormeceu junto a uma janela, enquanto ouvia um enfadado discurso de Paulo, e caiu do terceiro piso);

-          sobreviveu a uma mordidela de cobra venenosa em Malta (Actos 28:3-6);

-          ainda em Malta, curou um homem com febre e disenteria e depois curou outras pessoas (Actos 28:8-9).


Estes milagres de Paulo são mais espectaculares que os milagres atribuídos a Jesus no evangelhos de Lucas! Mas nenhum destes milagres é narrado pelo próprio Paulo nas suas cartas, embora insinue que teria feito algumas demonstrações de poder:
1 Coríntios 2:4 A minha linguagem e a minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do Espírito de poder; 
2 Coríntios 12:12 Os sinais do meu apostolado foram, de fato, operados entre vós com toda a paciência, por sinais, prodígios e milagres. 
Romanos 15:18-19 porque não ousarei falar de coisa alguma senão daquilo que Cristo por meu intermédio tem feito, para obediência da parte dos gentios, por palavra e por obras, pelo poder de sinais e prodígios, no poder do Espírito Santo; de modo que desde Jerusalém e arredores, até a Ilíria, tenho divulgado o evangelho de Cristo;

Nos capítulos 10 a 12 da 2ª Carta aos Coríntios, Paulo esforça-se para responder adequadamente àqueles vozes que põem em dúvida o seu valor. Por isso, como reconhece que não tem dotes para a oratória nem uma boa figura, contrapõe que fez prodigiosas demontrações de poder mas apenas descreve momentos de sofrimento pessoal sem referência a nenhum dos acontecimentos sobrenaturais que são relatados em Actos:
2 Coríntios 11:23-27 são ministros de Cristo? falo como fora de mim, eu ainda mais; em trabalhos muito mais; em prisões muito mais; em açoites sem medida; em perigo de morte muitas vezes; dos judeus cinco vezes recebi quarenta açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha raça, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Actos dos Apóstolos - O Pescador Flautista de Esopo





Vejamos mais um texto, desta vez uma passagem de Lucas cujo autor, não esqueçamos, tambem é, provavelmente, o autor de Actos:

Lucas 7:31-35 A que, pois, compararei os homens desta geração, e a que são semelhantes? São semelhantes aos meninos que, sentados nas praças, gritam uns para os outros: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não chorastes. Porquanto veio João, o Batista, não comendo pão nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio; veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos.


Também podemos encontrar esta passagem em Mateus, o que significa que a passagem já deveria constar no Evangelho Perdido Q. Nesta passagem podemos notar duas situações:
-          Jesus cita possivelmente uma frase de uma fábula de Êsopo, uma história infantil intitulada O Pescador Tocador de Flauta (“Tocamo-vos flauta, e não dançastes...”);
-          Jesus relata que “os homens desta geração” o chamam de “bebedor de vinho”, uma possível referência ao culto dionisíaco do vinho;

O Pescador Tocador de Flauta, de Êsopo
Um pescador apreciador de música pegou na sua flauta e nas suas redes e foi até à praia. Sentado numa rocha saliente tocou a flauta, na esperança de que os peixes iriam dançar para a sua rede. Vendo que eles continuavam dentro da água, o pescador pegou numa rede e arrastou um belo cardume para terra. Quando viu os peixes a saltar e a bater o rabo na areia, sorriu e disse:
- Ó perversas criaturas, toquei flauta e não dançaram, e agora que parei fazem-no alegremente!


A acrescentar ao facto de ter sido escrito em língua grega, temos aqui estas provas da influência da cultura grega no Novo Testamento, através de dois bem conhecidos autores da antiguidade, Êsopo e Eurípides.

Quanto ao facto de chamarem “bebedor de vinho”, Jesus não contesta o facto de ser bebedor de vinho mas contesta apenas o facto de lhe apontarem o dedo, como sugerindo que um homem pode ser “preso por ter cão e preso por não ter”. Parece que Jesus queria deixar claro que beber vinho era uma característica que o distinguia de João Baptista.



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Actos dos Apóstolos - As Bacantes de Eurípedes





(... continuação de "A Conversão de Paulo")

A ligação que se pode fazer entre o terceiro relato da conversão de Paulo com a peça de teatro As Bacantes é reforçada por mais passagens em Actos que definitivamente ligam as duas obras.

As Bacantes, de Eurípedes
Actos dos Apóstolos
O guarda que prende Dionisos informa que Dionisos entregou-se com mansidão e que até colaborou (linhas 435-440)
Actos 8:32 Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como a ovelha ao matadouro, e, como está mudo o cordeiro diante do que o tosquia, assim ele não abre a sua boca.
O guarda informa Penteu, que as bacantes que estavam presas e acorrentadas, ficaram misteriosamentes libertas fugiram por uma porta que se abriu “por nenhuma mão humana” (linhas 445-450)
Actos 12:6-11 ...nessa mesma noite estava Pedro dormindo entre dois soldados, acorrentado com duas cadeias e as sentinelas diante da porta guardavam a prisão. E eis que sobreveio um anjo do Senhor, e uma luz resplandeceu na prisão; e ele, tocando no lado de Pedro, o despertou, dizendo: Levanta-te depressa. E caíram-lhe das mãos as cadeias. ... Depois de terem passado a primeira e a segunda sentinela, chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma; e tendo saído, passaram uma rua, e logo o anjo se apartou dele.
Um terremoto abalou Tebas, destruindo o Palácio de Penteu e libertando de imediato Dionisos dos seus grilhões (linhas 605-645).
Actos 16:25-26 Pela meia-noite Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus, enquanto os presos os escutavam. De repente houve um tão grande terremoto que foram abalados os alicerces do cárcere, e logo se abriram todas as portas e foram soltos os grilhões de todos.
Penteu diz a Dionisos: “escapaste às algemas, preserva a tua liberdade, senão renovo a punição.”
Dionisos responde “é melhor fazer oferenda do que, em fúria, dar pontapés contra aguilhões” (linha 794)
Actos 26:14 E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me dizia em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.



Mas, o que é que Eurípedes, mais de quatrocentos anos antes, contou na peça de teatro As Bacantes?

Resumo de As Bacantes, de Eurípedes
Dionisos, o deus do vinho, era filho de Zeus e uma mulher, Semele, filha do rei Cadmo de Tebas. A sua mãe caiu em desgraça, por ter ficado grávida, porque a família não reconhecia Zeus como o responsável daquela gravidez. A própria Semele ficou em dúvida se aquele com quem se deitou seria mesmo Zeus e desafiou-o a prová-lo. Zeus, ao fazer uma demonstração de poder, acabou por fulminar Semele, ainda grávida, com um raio, mas teve tempo de resgatar o feto e completar a gestação de Dionisos dentro da sua coxa. Os tebanos interpretaram esta morte trágica como um castigo divino por Semele ter cometido blasfémia ao insinuar que se tinha deitado com Zeus.
A peça de teatro começa com Dionisos, feito homem em carne, dirigindo-se a Tebas para vingar a memória de sua mãe e para exigir devoção. As autoridades desprezaram-no, mas as mulheres de Tebas acolheram-no, juntando-se às bacantes, as seguidoras de Dionisos, para se entregarem a cultos lascivos (bacanais) dedicados ao deus do vinho, no monte Citéron. 
Este culto lascivo do vinho, causa apreensão aos opositores a Dionisos, principalmente ao rei Penteu - neto do velho rei Cadmo, filho de Agave, irmã de Semele - pela forma como desencaminha as mulheres. 
Tirésias, um convertido ao culto de Dionisos, diz a Penteu que as coisas principais para o homem são: o alimento seco e o vinho, oferecidos pela deusa Deméter e por Dionisos respectivamente. O velho rei Cadmo, também convertido, concorda com Tirésias e tenta aplacar o seu neto Penteu.
Penteu, intransigente, não acredita que Dionisos seja um deus, dá ordens aos guardas para capturarem o líder do culto. 
O guarda que traz Dionisos preso, conta a Penteu que Dionisos entregou-se amavelmente estendendo os braços para ser amarrado sem resistência. Conta ainda que algumas bacantes que tinham sido anteriormente presas escaparam-se aos grilhões e à prisão, porque as “portas foram abertas sem que nenhuma mão humana lhes tocasse”, e que voltaram ao culto do deus Dionisos.
Dionisos, levado à presença do rei, zomba de Penteu, dizendo-lhe que, por ser filho de Zeus, nenhuma prisão o consegue deter. Depois de uma prolongada contenda verbal, Penteu ordena que o prisioneiro seja acorrentado e lançado no cárcere. Dionisos invoca as bacantes e, então, um terramoto abala Tebas, destruindo o Palácio de Penteu, libertando de imediato Dionisos das suas correntes
Um mensageiro, que tinha observado os rituais lascivos, dirigiu-se ao rei Penteu para lhe contar o que viu. Contou ao rei que viu a sua mãe, a princesa Agave, com as bacantes. 
Penteu enfurece-se e ordena que os guardas façam uma incursão ao monte Citéron para reprimir as bacantes, responsáveis, segundo ele, pelo terramoto. Dionisos reaparece-lhe para o dissuadir e convence-o a ir verificar por ele mesmo as liturgias bacantes no monte Citéron. 
Penteu, curioso, aceita. Dionisos, entretanto, impõe-lhe uma condição: deveria ir disfarçado de mulher com uma farta cabeleira e uma roupa de pele de veado. Penteu, então, saíu do seu semidestruído palácio e, com sintomas de embriaguez, não percebeu a armadilha que o esperava. 
Ao chegar ao monte, Penteu é preso num pinheiro para ser castigado pelas bacantes com pedras e dardos. Agave, a própria mãe, embriagada, não reconhecendo o filho porque pensa que se trata de um leão (por causa da cabeleira que parecia uma juba e por estar coberto por pele de animal), sugere que o pinheiro seja cortado para poderem punir o intruso e cortarem-lhe a cabeça. 
Agave, ainda embriagada, retorna a Tebas exibindo a cabeça do filho como troféu, exige a presença de Penteu para que ele exponha a cabeça no alto das muralhas de Tebas. 
O velho rei Cadmo também volta para a cidade e depara-se com aquele quadro desolador da sua filha a segurar a cabeça do seu neto, o que significava o fim da linhagem dos reis de Tebas. Tudo isto porque Dionisos não perdoara os maus-tratos, as humilhações e os ultrajes sofridos nas mãos de Penteu.

Temos aqui uma tragicomédia grega, uma das mais populares desde que foi escrita, sobre o deus do vinho, Dionisos, deus feito homem, filho de Zeus. Este deus tem muitas mulheres como seguidoras fiéis. Para alem das passagens paralelas com Actos dos Apóstolos, já referidas, isto não faz lembrar mais nada?
  
Dionisos, em “As Bacantes”
Jesus, nos evangelhos
Dionisos é filho de Zeus e de uma mulher
Jesus é filho de Deus e de uma mulher
Dionisos é o deus do vinho e das vinhas
Jesus faz inúmeras referências ao vinho, às vinhas e às uvas;
Dionisos anda rodeado pelas suas seguidoras as bacantes e outras mulheres
Jesus anda rodeado de mulheres que são discípulas mais fiéis que os homens
Um seguidor de Dionísio diz que o importante para o homem é o alimento seco e o vinho.
Jesus diz que é o pão e o vinho.
Dionisos entrega-se amavelmente sem resistência
Jesus entrega-se sem resistência na noite da sua captura
Dionisos é interrogado pelo rei Penteu
Jesus é interrogado por Pilatos



Esta peça de teatro foi escrita por volta de 406 AEC, por Eurípedes. Portanto foi escrita uns bons séculos antes dos evangelhos e de Actos dos Apóstolos!



Referências: